Segurança hídrica ameaçada

Aumento da demanda e mudanças climáticas comprometem sistema de abastecimento da Região Hidrográfica da Baía de Guanabara

A Organização das Nações Unidas (ONU) conceitua segurança hídrica como a disponibilidade de água em quantidade e qualidade suficientes para o atendimento às necessidades humanas e à conservação dos ecossistemas aquáticos. Na Região Hidrográfica Baía de Guanabara e Sistemas Lagunares de Maricá e Jacarepaguá, o aumento populacional, em um contexto de ausência de planejamento e de investimentos em infraestrutura hídrica e de saneamento, vem ocasionando um estresse hídrico crescente. Muitos dos corpos d´água encontram-se em nível avançado de degradação qualitativa, incluindo os sistemas lagunares, comprometidos em grande parte pelo lançamento de efluentes domésticos sem tratamento, o que inutiliza grande parte do volume de água.

O coordenador-geral do Subcomitê Leste, Jorge Luiz Marinho Muniz, que representa a Companhia Estadual de Águas e Esgotos – CEDAE, afirma que o período de maior estresse se dá em épocas de estiagem no inverno. Segundo ele, nesse período, a produção de água potável, a produção agrícola e o equilíbrio ecossistêmicos podem ser prejudicados por estiagens severas. Neste sentido, há um amplo debate dentro do Subcomitê Leste visando soluções para a segurança hídrica da bacia hidrográfica, com a participação dos membros do Comitê, com representantes dos Usuários, da Sociedade Civil e do Poder Público. Todas as possibilidades estão sendo apuradas para garantir a segurança do abastecimento da região, de forma que seja aceita pelos atores locais, combinando soluções socioambientais positivas, essenciais para o desenvolvimento e sobrevivência desta importante região leste da Baía de Guanabara”, diz.

O Sistema Imunana-Laranjal, localizado no município de São Gonçalo, é um complexo de produção e fornecimento de água potável constituído de três estações interligadas, com vazão aproximada de 7 mil litros por segundo, atendendo a 1,8 milhões de pessoas. É o segundo maior sistema de produção de água do estado do Rio de Janeiro e o 11º maior do país. Além da região Leste, o Imunana-Laranjal também abastece uma parte da região Oeste.



Situação crítica em Maricá

A cidade litorânea de Maricá é uma das regiões que também enfrenta escassez hídrica, problemas no abastecimento de água e, principalmente, saneamento básico insuficiente. Izidro Paes Leme Arthou, membro do Subcomitê do Sistema Lagunas Maricá-Guarapina, explica que as ações de mitigação desses problemas esbarram em uma situação “sui generis” porque envolve três empresas diferentes: a Companhia de Saneamento de Maricá, responsável pelo esgoto, a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), que faz a captação da água, e a Águas do Rio, que faz a distribuição do recurso no município. Então, a garantia da qualidade e da quantidade de água para a população dispersada em bairros nem sempre tão próximos se apoia nesse ‘tripé’”, explica.

“O Subcomitê [Maricá] havia proposto um projeto ambiental para áreas à montante das captações, inclusive com recuperação da mata ciliar. Mas a proposta não foi adiante devido a indefinições geradas pelo projeto de leilão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae). O recurso foi, então, direcionado para o projeto de infraestrutura verde do Subcomitê Leste que previa a recuperação ambiental da mata ciliar dos rios que conduzem para o Sistema Imunana-Laranjal, visto que essa medida ajudaria também na segurança hídrica de Maricá”, acrescenta Arthou.

Pedro Hugo Muller Xaubet, que representa o Departamento de Recursos Minerais do Estado do Rio de Janeiro (DRM-RJ) no Subcomitê Maricá, informa que a expectativa é de que o Plano de Segurança Hídrica, contratado por meio de um termo assinado entre a Prefeitura e a Escola Politécnica da UFRJ, com interveniência da Sanemar, seja apresentado ao Subcomitê para mais contribuições. “Acreditamos que há possibilidade de encontrarmos água subterrânea em boa quantidade para reforçar o abastecimento e nossa intenção é complementar esse estudo com esses indicativos.”

O especialista chama a atenção para a importância de se contemplar no Plano ações para aumentar a capacidade de captação, armazenamento e tratamento. “A água está sempre passando, mas ela precisa ser armazenada e tratada para atender ao crescimento populacional, que é expressivo. Um problema na época de chuvas é que, como não temos local para armazenar, a água acaba voltando em forma de enchente e, em vez de solucionar o problema, acaba agravando-o”, diz.

Apesar de não haver dados concretos e registros de índices pluviométricos na cidade, Pedro explica haver indicativos de que as chuvas estão cada vez mais escassas na região. Izidro acredita que esse fenômeno já pode ser resultado das mudanças climáticas que ocorrem em todo mundo, impactando sobretudo as regiões costeiras.



Mudanças climáticas

O Comitê da Região Hidrográfica da Baía de Guanabara e Sistemas Lagunares de Maricá e Jacarepaguá tem acompanhado os estudos de impactos das alterações climáticas sobre o abastecimento de água e a conservação dos corpos hídricos. Recentemente, o Subcomitê Leste deu início a uma série de debates com especialistas para discutir segurança hídrica, e o segundo tema abordado foi justamente os efeitos das alterações no clima em toda Baía de Guanabara e Sistemas Lagunares e o papel da vegetação na mitigação desses impactos, considerando que todos os municípios da região têm um Plano de Manejo da Mata Atlântica (PMMA).

Como afirma o doutor em Engenharia Florestal, mestre em Manejo de Bacias e docente da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Ricardo Valcarcel, “as mudanças climáticas são uma realidade e, se for considerada apenas a Região Hidrográfica V, agravam ainda mais o quadro de deterioração ambiental provocado por intervenções ambientais desastrosas no passado remoto (como dragagem e retificação dos principais rios nos anos 1940-1950) e recente (como poluição dos aquíferos), provocam a redução do volume hídrico armazenado nas planícies de inundação e inviabilizam o seu uso pelo esgoto. Seus efeitos já afetam a vida de, aproximadamente, 10 milhões de pessoas que dependem desta água e/ou que ali habitam”.

Ele destaca que estes fatos tendem a se agravar com a mudança do clima, tornando as chuvas mais mal distribuídas, ou seja, mais intensas e com maiores lapsos de tempo entre eventos, além de reduzir o volume de precipitação anual. “Isto virá acompanhado de um maior aquecimento do ambiente, aumento as perdas hídricas para a atmosfera, pois haverá maior evaporação e transpiração. Esta situação agravará a crise hídrica e, paradoxalmente, elevará a probabilidade de observarmos cheias extraordinárias mais frequentes, causando diversos tipos de perdas para a sociedade, conforme constam dos PMMAs de cada um dos municípios”, explica.

"A geração das vazões dos rios é um somatório de excedentes hídricos de cada um dos subsetores de uma bacia hidrográfica, onde a combinação de suas características físicas e hidrológicas dos solos estão relacionadas com a gênese desses locais. Elas permitem o desenvolvimento da vegetação ideal para regularização hídrica, pois uma bacia totalmente urbanizada tem mínima infiltração e máximo escoamento superficial, fatores que contribuem para a formação das enxurradas sem que haja recarga dos aquíferos. Em última instâncias, são esses aquíferos que garantem a perenidade no inverno, época de pouca chuva, e reduz o risco de cheias no verão, que é quando se verificam os maiores volumes e maior intensidade da chuva”, completa.

O especialista reitera que o aprofundamento dos talvegues – leito dos principais rios – modificou a dinâmica hídrica e reduziu em três metros de profundidade extensas áreas, que atingem a cota zero (nível do mar) até cotas do final das planícies de inundação, que é quando o relevo começa a se modificar pelo efeito da Serra do Mar, entremeados por pequenos morros.

“Estamos trabalhando muito mal os nossos ecossistemas e bacias hidrográficas, jogando lixo nos rios e acabando com as planícies de inundação, onde se faz a reserva de forma natural desse volume de água. O processo é todo subterrâneo, ou seja, além de evitar enchentes e desastres, também contribui para filtrar a água que corre para os mananciais”, explica o professor. Segundo ele, soluções para reversão do quadro passam por um processo de renaturalização dos rios, uma medida simples, que, ao contrário do que muitos imaginam, não implicaria em intervenções bruscas no meio urbano.

Valcarcel ressalta ainda que as bacias hidrográficas são um sistema natural, por isso, cada uma delas demanda medidas específicas de recuperação. “Todos os municípios têm um planejamento que contempla ações de acordo com suas próprias demandas. Mas, precisamos lembrar que as bacias não consideram divisão geográfica, elas precisam de um plano de medidas sistêmicas. Assim, o papel do Comitê é muito importante, pois é ele quem vai articular e coordenar as ações, de acordo com as demandas de todos e as especificidades de cada região hidrográfica”, diz.




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