Manguezais remanescentes na Baía de Guanabara resistem às pressões ambientais

Bioma, cada vez mais raro na região da baía, é indicador de qualidade da água

Durante anos, os manguezais foram associados à insalubridade devido a características peculiares e, com o passar do tempo, foram extirpados de muitas áreas costeiras para dar lugar à urbanização. A partir dos anos 1960, contudo, a comunidade científica reconheceu a importância desse ecossistema, que, em 1965, foi finalmente incluído no Código Florestal Brasileiro como Área de Proteção Permanente (APP).

Os manguezais são considerados biomas de transição entre os ambientes terrestre e marinho. Estima-se que eles forneçam até 10% do carbono orgânico dissolvido nos oceanos a partir da terra, matéria que é parte importante do ciclo do carbono atmosférico e ajuda a regular o dióxido de carbono e o clima do planeta. Por estarem situados em estuários e outras regiões costeiras planas, estão sujeitos a grande variação de parâmetros ambientais e ao regime de marés. Tal variação determina a dinâmica e a estrutura de sua biodiversidade, que possui características muito distintas.

No passado, a Baía de Guanabara foi densamente ocupada por manguezais e outros sistemas de transição em toda a sua extensão. Apesar de serem muito resistentes, grande parte das florestas de mangue sucumbiram à degradação qualitativa dos corpos hídricos, à retirada de vegetação para queima e aos aterramentos decorrentes das ocupações urbanas.

Os impactos gerados pela extinção dos mangues na região da Baía de Guanabara são muitos. Cientistas afirmam que os manguezais são os maiores aliados contra os efeitos das mudanças climáticas por sua capacidade de capturar e armazenar gases de efeito estufa. Além disso, funcionam como berço para muitas espécies marinhas da zona intertropical e como proteção natural contra marés fortes.

Para Adauri Souza, representante do Instituto Baía de Guanabara (IBG) junto ao Subcomitê Leste da Baía de Guanabara, um dos maiores impactos é o social, pois muitas das áreas antes ocupadas por mangues foram aterradas para dar espaço à ocupação residencial. Esses locais abrigam uma parcela mais vulnerável da população e não possuem sequer rede de coleta de esgoto, que acaba sendo despejado de forma clandestina na baía. “Quando chove forte e a maré vem alta, todos os detritos e efluentes voltam para dentro das casas junto com a enchente. Essa é uma situação que tende a piorar com as chuvas mais intensas que vêm ocorrendo nos últimos anos. É um cenário trágico, resultado de ocupação desordenada, consentida pelo poder público”, pontua.

Segundo Adauri, a região do recôncavo representa o último reduto significativo de manguezais e a Área de Proteção Ambiental (APA) Guapimirim abriga a maior faixa contínua. Ainda se tem algumas manchas de mangue também em Duque de Caxias, em São Gonçalo, Itaboraí e Magé, parte delas resultante de um trabalho de recuperação realizado na região.



Do lixo ao manguezal

Há 25 anos, o biólogo Mario Moscatelli desenvolve um trabalho de reflorestamento dos manguezais nativos do entorno de Jardim Gramacho, antigo aterro sanitário situado no Rio de Janeiro, que recebia 7,5 mil toneladas de lixo por dia. “Gramacho era uma das áreas mais impactadas pelo lixo e pela degradação da Baía de Guanabara. Hoje, vemos ali uma floresta de manguezal se desenvolvendo”, diz.

Ele também está no front de batalha do projeto Olho Verde, que há 26 anos realiza sobrevoos periódicos para monitoramento e registro de imagens dos problemas ambientais identificados na região. Os pontos mais críticos, segundo ele, são aqueles onde desaguam os rios que trazem maior carga de lixo e esgoto. “O crescimento urbano desordenado, a falta de políticas públicas para habitação e a falta de saneamento universalizado geraram um monstro ambiental que é transportado diariamente das bacias hidrográficas para dentro da Baía de Guanabara. Mas o mar não gosta de lixo e esgoto e acaba jogando tudo para os manguezais”, afirma.



Manguezal na Baía de Guanabara

Os trechos de manguezal mais afetados hoje, segundo Moscatelli, estão localizados no Canal do Fundão, onde se tem os grandes valões de esgoto e lixo caindo diretamente sobre os manguezais locais, o litoral de Duque de Caxias, as fozes do rio São João de Meriti, Sarapuí e Iguaçu, e a região de Itaocara, no município de São Gonçalo.

A poluição se agravou nos últimos quatro meses devido à paralisação do funcionamento das 17 ecobarreiras, que retinham em torno de 500 toneladas de lixo por mês, o equivalente a 3,78% dos resíduos despejados. De acordo com o especialista, a demora para retomar a operação causa danos imensuráveis ao ecossistema e compromete o trabalho de recuperação feito há anos. “Mesmo os manguezais submetidos a contaminação por esgoto e lixo sustentam biodiversidade. Por serem a última faixa de floresta de baixada, além das espécies nativas, eles servem de abrigo para outras fugiram do desmatamento de áreas mais altas”, diz. O biólogo lembra que esse ecossistema também funciona como barreira para fenômenos climáticos extremos como enxurradas, ressacas e grandes tempestades.

Ainda segundo Moscatelli, a concessão dos serviços de saneamento para empresas privadas gera boas perspectivas de recuperação dos manguezais na Baía de Guanabara, mas o tratamento do esgoto e a coleta de lixo são só uma parte do problema. “É preciso que o poder público se comprometa com a questão do uso e ocupação do solo e amplie as áreas de proteção ambiental”, conclui.




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